terça-feira, 26 de março de 2024

Carlos Coutinho - Metamorfoses

 


* Carlos Coutinho 

Há não sei quantos milhões de anos, a mais que milionésima bactéria tremeu nas águas primordiais e começou a perder os seus primeiros borbotos e estes, imitando a mãe, bacterizaram-se também e, logo que adultos, desataram a povoar os mares igualmente emergentes, iniciando verdadeiras dinastias de bactérias diferentes e ávidas de novas diferenciações.

É o que deduzo das muitas leituras que tenho feito sobre o assunto.

Muitas bactérias do frio e do quente optaram por abandonar as diversas águas planetárias, continuaram a metamorfosear-se, de espécie em espécie, e atingiram a humana, aquela que ainda não sabemos o que será, nos próximos séculos ou milénios, se ainda viver.

Mas sabemos que a sua primeira compulsão foi alimentar-se para sobreviver, disputando os alimentos com as vizinhas e, assim, aprendendo a lutar. Criou, portanto, os primeiros modos de matar e nunca mais parou de os aperfeiçoar, aperfeiçoando também a coragem, a ira, o ódio, condições instrumentais de sobrevivência.

– A inteligência animal começou assim, por total inexistência de ética e, muito menos ainda de filosofia, para desgosto de Santo Agostinho que descobriu, milhões de anos mais tarde, na cidade argelina de Hipona, o mal e a sua sede original na mulher.

– Mas foram precisos também milhões de anos para os moluscos marinhos galgassem as areias das praias, adquirissem esqueleto e exoesqueleto, escamas, penas, couro e pelo, vulva e pirilau, luxúria e autorreprodução sem gâmetas, fossem eles óvulos ou espermatozoides, e muito menos fecundação in vitro, até que o primeiro primata optou por se amacacar ou se antropolizar.

– E ainda não foram poucos os milhões e anos necessários para a fundação do Antropoceno, com o homo neandertalensis e o homo sapiens a alterar irremediavelmente a ordem e as formas das coisas, até os primeiros analfabetos conscientes inventarem os hieróglifos e as primeiras gravuras rupestres com as mãos borrifadas por bocas cheias de líquidos cromáticos nas rochas mais adequadas das cavernas.

– Daí ao sumério Gilgamesh e, seguidamente, à arca de Noé, ainda tiveram de transcorrer mais alguns milhares de anos, porque faltava formular a teoria da impulsão, a carpintaria naval, a arte da navegação e, assim, foi imposta a entrada com senha para a barca, visto a bicharada ser tanta que teve de se organizar filas, entrando cada novo passageiro só quando algum outro, lá dentro, já tinha sido devorado por alguns dos seus famintos semelhantes em luta compreensível de sobrevivência das espécies, das raças e dos costumes.

– A revista “Nature” publica agora um estudo sobre a perda da cauda nos símios, ocorrida há 25 milhões de anos. A hipótese inicial do estudo é a de que os nossos ancestrais perderam os rabitos abanadores quando mutações alteraram um ou mais dos seus genes.

Os cientistas compararam o ADN de seis espécies de símios com o de nove espécies de macacos caudados, descobrindo que a mutação compartilhada por símios e humanos – mas ausentes nos macacos com cauda – no gene TBXT. Esta mutação terá afetado TBXT aleatoriamente um único símio, fazendo com que este desenvolvesse um coto em vez de uma cauda e passasse o “defeito” para os seus descendentes. Com o tempo, a mutação TBXT tornou-se norma nos símios e nos humanos atuais, incluindo os que já funcionam com ginástica digital da conectividade radical e com a inteligência artificial.

– Quando as primeiras mitologias apareceram e os filósofos as normalizaram, para Jeová aparecesse a legislar e Homero a encher caldeirões de amores, ciúmes, viagens à ilha das tragédias, egípcios a fazer perguntas à esfinge de pedra, Aristóteles a pôr carne nas sombras de Platão e Spartacus a dizer “já basta!”, enquanto Afrodite fazia de Helena, a mais bonita de todas as mulheres e esposa do rei grego Menelau, se apaixonar-se pelo troiano Páris, que então a levou para a sua cidade. Agamenon, rei de Micenas e irmão de Menelau, reuniu os aqueus (gregos), liderou uma expedição contra Troia e cercou essa cidade frugal da Lacónia ou Leçademónia, na Península do Peloponeso, durante dez anos, como uma represália pelo insulto de Páris.

Após a morte de muitos heróis, incluindo os gregos Aquiles e Ájax, bem como Heitor, Páris recuperou a sua imprescindíveel Helena com a ajuda de um cavalo de pau.

– Claro que infinito, acumulação, conectividade radical, biocósmico, morte e força de viver são os temas da japonesa Yayoi Kusama, de 65 anos, acabados de fazer, que, depois e tantas décadas a viver voluntariamente numa instituição de saúde mental, personifica hoje um dos mais estrondosos fenómenos de popularidade na arte contemporânea, mas isso não implica que os dadores de gâmetas tenham de ficar eternamente anónimos, como a lei portuguesa, felizmente, já aceita.

Nem que só haja um os dois cardiologistas nos hospitais do Interior, sabendo-se que há mais de 500 nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde!

– E certo é também não devia ser permitido abater árvores em todos os cantos do mundo para fazer papel desnecessário ou simplesmente prescindível, mesmo que para substituir os sacos de plástico nos supermercados.

E menos ainda seria de permitir que se continuasse a plastificar tudo, ao ponto de já se ter encontrado no estômago de um mastodóntico cachalote lulófilo, morto na praia, um emaranhado rolo de 43 quilos de redes de nylon, escovas de dentes, copos de plástico, sapatilhas, etc.

Pior só a existência de triliões de triliões de partículas de plástico na corrente sanguínea dos peixes que comemos e, agora, até já na dos frangos e de outros bichos de aviário e de viveiros para aquacultura.

E mesmo no ar que respiramos, como nos disseram na recente 11.ª Cimeira Mundial dos Oceanos!

– E por que carga de água, quando a PSP registou entre 2020 e 2323 algo como 15 mil furtos por carteiristas, caçada que lhes rendeu 7,1 milhões de euros, vêm agora certos interessados reclamar a implementação da muito perigosa, energia nuclear em Portugal, sabendo-se que, ainda por cima, sai “demasiado cara, mesmo sem se contabilizar os custos escondidos – os de armazenar os resíduos, os dos seguros contra acidentes e seus efeitos, os do desmantelamento das centrais em fim de vida, etc.”

É que é mesmo “muito mais cara – 10 a 20 vezes mais cara (segundo o catedrático e investigador Manuel Collares-Pereira) por unidade de potência instalada que as renováveis – solar, eólica, hídrica e outras que estão em desenvolvimento” – e que já provaram poderem continuar de vento em popa.

“O combustível nuclear convencional (U235)”, diz ele, “é escasso; psra ser considerado abundante (U238, Th232), implicaria uma mudança de tecnologia (mais risco, mais tempo…); neste contexto fala-se hoje da tecnologia dos pequenos reatores, pré-fabricados, algo que não existe ainda … e que muito provavelmente, serão ainda mais caros. (…) Para uma central de 1600MW, estamos a falar de um investimento de mais de 1000 milhões de euros, se registarmos o exemplo finlandês de Olikuoto, acabada de construir), e podemos mesmo contar com mais de 19 000 milhões, se tomarmos como referência o idêntico EPR francês de Flamanville (em construção).”

Mas, por cá, os lóbis movem-se. Vá-se lá saber porquê.

– E não me esqueço de que dos anuros, com penugens ou com pelagens, com escamas ou com viscos, com espinhos ou com pelado coiro impermeável, com guelras ou com pulmões, com bico com boca, houve que vencer mais alguns milhões de anos, até se poder atingir o cataclismo que cósmico e ardente que nos dinossaurizou os territórios livres, criando uma ordem nova – ordine nuovo, como a do Mussolini – que até o Pio XI e o nosso Cerejeira cardeal, ombro com ombro com o nosso sempre solteiro Salazar, tanto apreciaram.”

Daí até aparecer a besta do “Apocalipse” ainda tivemos de aturar os aedos que deram histórias e mitos Homero e a Virgílio, os delirantes que souberam desnudar as estrelas e ainda sobrevivem como espíritas e horoscopizáveis em modo Pessoa, os Abraões decalógicos, os Plutarcos e os Arquimedes, os Avicenas e os Averróis, o milagre de Ourique e a mirabolante conversa do Condestável com Cristo antes da batalha de Aljubarrota, como antes acontecera com D. Afonso Henriques, o Nuno Gonçalves dos painéis de S. Vicente, o zarolho Luís Vaz da Ilha dos Amores, o salaciano ou alcacerense Pedro Nunes da Matemática, os arquitetos da Baixa Pombalina, os versos de António Nobre e dos de Cesário Verde, as composições de Lopes Graça e até o descaramento com que misturo tudo isto.

– Talvez faça falta a esta lista de figurões o nome do jesuíta Luís Frois que viveu 34 anos no Japão e assistiu à batalha A “História” de Luís Fróis é também uma narração dos acontecimentos histórico-políticos de uma das fases históricas mais cruciais do país.

A sua “História do Japão” abrange o declínio da dinastia dos Ashikaga que começou a sua regência em 1338 e acabou em 1573.

Abrange a ascensão e o fim do comandante Oda Nobunaga (1534 - 1582) que iniciou o processo da unificação do Japão de um modo decisivo.

Abrange os anos mais importantes do sucessor de Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi (1536 - 1598), que continuou a obra de Nobunaga e completou a unificação do país, mas que também iniciou a perseguição dos cristãos em 1587. Sob o seu reinado foram mortos também os primeiros 26 mártires católicos, em 1597.

O historiador de circunstância Luís Frois nasceu em Lisboa e, em 1563, viajou para o Japão, encarregado de pregar o Evangelho, isto uns 20 anos depois de os primeiros mercadores portugueses, a bordo da “Nau do Trato”, terem desembarcado no Sul nipónico. Foi seguidamente para Quioto, onde se reuniu com Ashikaga Yoshiteru, que então era xogun. Em 1569 tornou-se amigo de Oda Nobunaga e permaneceu na sua residência em Gifu (cidade), enquanto se dedicou à escrita por um curto período.

Descreveu, então, pormenorizadamente as suas impressões sobre as tradições e cultura japonesas do século XVI através de cartas enviadas para Macau, Roma (ao Papa) e aos reis de Portugal.

É considerado o primeiro cronista europeu daquelas paragens. Entre as suas obras encontra-se uma “História do Japão”, um clássico que recolocou o país do sol nascente na história do mundo moderno e que Akira Kurosawa seguiu milimetricamente para filmar o também clássico “Kagemusha” (“A Sombra de um Samurai”) e que o também clássico Claude Lévi-Straus catalogou como “o primeiro antropólogo”

– Que bom ter nascido no país dos milagres, onde em contramão, também, nasceram pastorinhos videntes e sádicos da tauromaquia!


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domingo, 24 de março de 2024

A relação de Fátima com o Estado Novo exige uma investigação que ainda não está totalmente feita

Responsável do Santuário explica que Fátima se desenvolveu mais no período pós-25 de Abril. Reconhece que é "fácil" associar Fátima ao Estado Novo, mas na verdade a relação não foi assim tão próxima.

Agência Lusa

Texto

 

24 mar. 2024, 10:22 1 

A ideia de uma ligação profunda entre Fátima e o regime do Estado Novo é desmentida pelo diretor do Departamento de Estudos do Santuário, que aponta o pós-25 de Abril como o período em que “Fátima se desenvolve mais”.

Para Marco Daniel Duarte, “a relação de Fátima com o Estado Novo exige uma investigação que ainda não está totalmente feita”.

“Aquilo que é o mais fácil para a narrativa que tem sido criada é que Fátima e o Estado Novo são quase a mesma coisa. Há, inclusivamente, uma narrativa mitográfica que diz que Fátima é construída pelo Estado Novo. Ora, tudo isto exige que haja, de facto, uma investigação séria”, defende.

Desde logo porque “Fátima nasce no contexto pré-Estado Novo, num contexto de I República, (…) de um Portugal que é claramente anticlerical, que tem muitas dificuldades em assumir uma mensagem religiosa”, afirma o historiador, lembrando que os patriarcas do republicanismo diziam que “em poucas gerações o catolicismo seria erradicado do país”.

Admitindo que o catolicismo encontra um espaço de maior conforto para a expressão da fé durante o Estado Novo, diz não ser de admirar, por isso, que “a historiografia tenda a dizer que Fátima cresce de uma forma muito considerável no período” da ditadura de Salazar.

No entanto, adverte, há que “dizer de uma forma muito clara que Fátima não é igual a salazarismo. Aliás, o próprio presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, pouquíssimas vezes veio a Fátima. Veio nos anos 50, numa visita que nem sequer era oficial, e veio depois em 1967, aquando do cinquentenário das aparições com o Papa Paulo VI”.

“O poder político não frequenta Fátima de forma assinalável. Há momentos muitíssimo importantes em Fátima relacionados com episódios soleníssimos e não é o chefe de Estado nem é o chefe do Governo que vem a Fátima”, lembra Marco Daniel Duarte, apontando o exemplo de 1946, quando “a imagem de Nossa Senhora de Fátima é coroada como Rainha do Mundo e Rainha da Paz e vem um legado pontifício do Papa Pio XII” ao Santuário.

Nesse dia, “nem Salazar nem o chefe de Estado estão em Fátima. Aquilo que vemos acontecer é, até no período pós-25 de Abril, a presença do Estado e a presença de ministros, porventura até mais detetável do que propriamente no Estado Novo”, acrescenta.

E apesar da trilogia “Fátima, Futebol e Fado” que se tornou popular para caracterizar o Portugal das décadas anteriores à revolução de 1974, Fátima não deixava de causar alguma incomodidade no poder instalado.

A guerra nas antigas colónias de África e o palco que Fátima constituía para alguma crítica, causava desconforto.

“Os anos 60 são muitíssimo ricos na expressão que Fátima também tem de contrariar aquilo que é a decisão política ao mais alto nível, nomeadamente em relação à questão do Ultramar (…) e da guerra”, sublinha Marco Daniel, lembrando que se veem “os fiéis a virem a Fátima pedir que termine a guerra, que os soldados não sejam mobilizados para a guerra”.

“Vemos isto a partir de várias vozes: em primeiro lugar, a partir dos próprios soldados, os militares que (…) vêm a Fátima pedir a proteção da Virgem para a sua missão no Ultramar, vêm também doentes e soldados mutilados agradecer o facto de terem sobrevivido à guerra e isto são, obviamente, manifestações muito claras de que Fátima é palco de uma reivindicação, de uma contestação em relação a esta guerra que levava à morte milhares de inocentes”, frisa o diretor do Departamento de Estudos do Santuário.

Para o responsável, “estas vozes que se fazem ouvir em Fátima não são apenas as vozes dos soldados, são as vozes dos pregadores, dos padres que aqui têm discursos pró-pacifistas, a voz das madrinhas de guerra, dos filhos de soldados, das noivas dos soldados, que aqui deixam as suas mensagens (…) que ainda hoje são fontes inestimáveis para perceber um período da história portuguesa”.

“Nós vemos aqui, de facto, essa contestação silenciosa de Fátima ser um abrigo para estas angústias da humanidade nesta época”, diz o historiador.

Havia a perceção de “que o regime sentiria, por um lado, algum desconforto, no sentido em que há aqui um palco onde vemos soldados a rastejar na passadeira dos penitentes com as suas fardas, portanto, uma paisagem humana muito difícil de perceber, que não é uma paisagem humana que apareça nos jornais de forma muito clara, mas, ao mesmo tempo, olhava para Fátima como lugar [onde] ‘eles vão fazer as suas orações’, quase que não é nada político”.

Mas, argumenta, “há aqui uma dimensão que não é apenas religiosa, é fundamentalmente também política”.

E sendo política, como era o controlo feito pela polícia do regime em Fátima?

“Não temos evidência desse tipo de controlo”, o que pode ser explicado pela sensação de que, “para a PIDE, não pareceria óbvio que em Fátima acontecesse algo que contrariasse a voz do regime”, acrescenta.

Período da revolução em Fátima ainda é lugar de inquietações

O diretor do Departamento de Estudos do Santuário de Fátima considera que o período da revolução de 1974 na Cova da Iria “continua ainda a ser um ‘lugar’ de muitas inquietações”.

“O 25 de Abril de 1974 é um tempo que está ainda por estudar e que, a partir das fontes ligadas à Igreja, continua ainda a ser um lugar de muitas inquietações”, diz em entrevista à agência Lusa Marco Daniel Duarte, acrescentando: “sabemos que a Conferência Episcopal estava reunida em Fátima. E não sabemos exatamente o que se passou naquela reunião. Esses arquivos têm de ser explorados nesse sentido”.

O que se sabe é que em maio seguinte houve a tradicional peregrinação de dia 13, desta vez presidida pelo cardeal António Ribeiro, patriarca de Lisboa, e verifica-se que “não tem uma diminuição de fiéis, a esplanada está cheia”.

Na homilia, António Ribeiro “vai aproveitar o grande tema que a Igreja estava a trabalhar do ponto de vista universal, que é o Ano Santo, que tinha palavras-chave como Redenção, Reparação, Reconstrução”, recorda Marco Daniel, para explicar que o patriarca “vai aproveitar essas palavras e usá-las no contexto político que se está a viver”.

“Podemos quase dizer que é a primeira grande intervenção dirigida à massa dos fiéis para mostrar que a Igreja estava disponível para, a partir de uma renovação dos espíritos, construir e ajudar a construir um mundo novo. Expressões como mundo novo, liberdade, consciência, reconstrução, mas também responsabilidade, aparecem nessa homilia”, sublinha o historiador.

Sobre o ambiente vivido por esses tempos em Fátima, Marco Daniel Duarte afirma que, “ao olhar para trás, percebe-se que há uma serenidade muito grande do ponto de vista do santuário e dos seus decisores, ao mesmo tempo que essa serenidade não deixa de estar eivada de preocupação”.

“Sendo Fátima um ícone religioso por excelência, estando nessa tradição de leitura conotada com o Estado Novo, sentir-se-ia em Fátima essa necessidade de estar atento às movimentações do novo regime que se estava a tentar encontrar”, explica.

Após o 25 de abri 1974 e até ao ano de 1975, “são meses com preocupações relativamente à forma como a Igreja seria tratada do ponto de vista do novo regime democrático e, dentro da Igreja, obviamente o fenómeno Fátima como um fenómeno importantíssimo”, lembra.

Ao mesmo tempo, pelo que “está escrito – porque, na verdade, muitas das decisões não ficaram escritas e não as há documentadas nos arquivos — [o que se assiste] é, de facto, [a] uma grande serenidade, uma presença muito clara, sem temor, ainda que com receio de que algo pudesse acontecer, mas sem temor para dialogar e enfrentar a adversidade”.

Apesar disso, foi possível vislumbrar que a Voz da Fátima — órgão oficial do Santuário, através da palavra do seu reitor monsenhor Luciano Guerra, “vai ter muitos pontos de ligação às preocupações humanitárias que decorrem do 25 de Abril, nomeadamente (…) sobre a descolonização e sobre a forma como os irmãos – ele chama-lhes assim – que vêm das colónias devem ser recebidos por aqueles que estão na chamada antiga metrópole, como que a dar uma nota muito clara sobre o comportamento” que os católicos dessa época devem ter.

“E ele não tinha de falar senão e apenas sobre Fátima, mas ele toma esse assunto, que é um assunto nacional, um assunto muito difícil, a questão dos retornados, e a partir da sua palavra encoraja a que essas pessoas sejam enquadradas de forma feliz na sociedade que se está a reerguer”, aponta Marco Daniel, que sublinha a consolidação que Fátima assumiu no panorama nacional e internacional após o 25 de Abril.

“Fátima, de facto, não é subserviente do Estado Novo, nem está colada ao Estado Novo. E a prova máxima disso é que o seu desenvolvimento não é apenas durante o Estado Novo. Esse desenvolvimento não está relacionado com o Estado Novo, mas está relacionado com a política religiosa do mundo contemporâneo, sobretudo a partir do pontificado de Pio XII. É uma questão religiosa já de escala universal”, afirma o diretor do Departamento de Estudos do Santuário.

É a partir do 25 de Abril, “se quisermos marcar aqui uma barreira política, que Fátima se desenvolve ainda mais, no pontificado de João Paulo II e em todos os pontificados seguintes. Portanto, de forma muito evidente, Fátima tem dentro de si um motor que não é um motor que dependa da política nacional”.

E, no horizonte, vislumbra uma Fátima viva dentro de outros 50 anos, pois “o fenómeno Fátima é um fenómeno que interessa à Humanidade, porquanto tem na sua génese uma temática que nunca estará vencida, que é a temática da Paz”.

O pós-revolução na linguagem própria da Voz da Fátima

O leitor mais desprevenido que, em 1974, tentasse obter informações sobre o 25 de Abril e as suas repercussões na Igreja, em particular no Santuário de Fátima, através do órgão oficial da instituição, encontrava algumas dificuldades.

Nas páginas da Voz da Fátima, mensário oficial do Santuário, a linguagem usada nos meses pós-revolução é difusa sobre a ação militar que levou à queda do regime, com poucas explicações e mensagens pouco explícitas.

O diretor do Departamento de Estudos do Santuário, Marco Daniel Duarte, em entrevista à agência Lusa assume que “essa é a linguagem típica da imprensa católica da época”.

“Há quase como que um desviar do próprio nomear do acontecimento do 25 de Abril. É, de facto, sempre dito ‘os acontecimentos recentes’, ‘os acontecimentos que assolaram o país’, ‘os acontecimentos que estamos a viver’. E isso diz respeito a uma posição defensiva da Igreja perante os cenários que estavam a ser desenhados”, afirma.

Com efeito, no número de 13 de maio de 1974, na página 2 é publicada apenas uma pequena breve sobre a reunião da Conferência Episcopal que decorria em Fátima no dia 25 de abril, mas sem qualquer referência à revolução.

No número seguinte, de junho, é publicada a homilia que o cardeal António Ribeiro proferira na peregrinação de maio.

“Somos Igreja. Por isso, em nós deve transparecer o rosto sereno e firme, alegre e confiante, humilde e penitente, de quem caminha na história dos homens e com eles partilha, bem de dentro, as esperanças e as angústias, as alegrias e as penas, as certezas e as interrogações da hora atual”, afirmou o patriarca de Lisboa perante milhares de peregrinos.

“Renovar os homens e as instituições, sem atropelo ao direito e na observância da fraternidade humana e cristã é tarefa a que todos somos convocados no momento atual. Uma sociedade nova precisa de homens novos. E as instituições, ainda que alteradas na forma, só deixarão de ser velhas quando forem servidas e constituídas por homens renovados. E ninguém pense já ter atingido a meta da renovação”, avisava então o sucessor de Manuel Cerejeira à frente do Patriarcado de Lisboa.

De seguida, e sempre sem se referir explicitamente ao 25 de Abril, António Ribeiro preconizava que “a nova ordem social terá de assentar na verdade e na justiça, na liberdade e no amor e na paz. São estes, por certo, os valores que presentemente se anunciam e, diante de tal anúncio, nenhum cristão deixará de se alegrar. Com todos os homens de boa vontade, os cristãos são pregoeiros e artífices de um mundo novo, sempre voltado para o futuro, onde a mentira seja abolida, onde a injustiça não tenha foros de cidadania, onde a reta liberdade de todos possa ser respeitada e vivida, onde o ódio desapareça e a guerra dê lugar à paz e à concórdia fraterna”.

Em agosto desse ano, a Voz da Fátima começou a publicar — num processo que durou meses — a Carta Pastoral do episcopado “sobre o contributo dos cristãos para a vida social e política”.

Quem fosse lendo apenas este mensário, ficaria na dúvida sobre as razões da publicação do documento que pretendia “ser uma ajuda à leitura cristã dos últimos acontecimentos da vida portuguesa”.

Em setembro, um tema polémico era tratado na última página da Voz da Fátima, que dava conta de “uma grande campanha para a liberalização do divórcio em Portugal”.

“Não é de agora. Vinda da Primeira República, um tanto abafada durante o regime de Salazar, começou a tomar vulto por volta de 1965, com a fundação do Movimento Pró-Divórcio. Mas foi a partir do 25 de Abril, favorecida pelo atual clima reivindicativo e libertário, que a campanha assumiu proporções que não deixarão de impressionar a opinião pública e as próprias autoridades civis e religiosas”, lia-se no jornal do Santuário.

O título era um alerta: “Para os católicos sinceros o divórcio não traz solução”.

No número de outubro, eram reproduzidas as palavras do Papa Paulo VI durante a cerimónia de entrega de credenciais do embaixador de Portugal junto da Santa Sé, Calvet de Magalhães. O pontífice abordava, entre outras, a questão do Ultramar.

“Seguimos, com vivo interesse, as iniciativas referentes aos territórios do Ultramar”, desejando que se “possam garantir em tais regiões seguras condições de justiça, de paz e de progresso”, desejava o Papa.

Um mês depois, era dada nota da necessidade de se evitar “o aproveitamento abusivo de Fátima como arma anticomunista, aproveitamento que poderia desvirtuar a Mensagem da Fátima (segundo a qual a conversão da Rússia está dependente da nossa própria conversão)”, ao mesmo tempo que se considerava ser uma “traição a Fátima calar-se o pedido de Nossa Senhora em favor da conversão da Rússia, como se o mesmo não fosse lugar central da Mensagem, e as intenções sociais dos regimes políticos pudessem fazer esquecer o seu ateísmo militante”.

E o ano de 1974 terminou na Voz da Fátima com a manchete “Será Fátima anticomunista?”.

“No clima de liberdade política introduzida pelo 25 de Abril, tem vindo à tona, com bastante frequência, o problema das relações de Fátima com o comunismo. (Diga-se, aliás, entre parêntese, que Fátima tem sido, nestes últimos meses, alvo predileto de uma série de pessoas e instituições que chegam a dar-nos a impressão de que, já desde muito antes do 25 de Abril, tinham as suas armas aperradas e a mão no gatilho, à espera duma primeira ocasião para dispararem contra Fátima – e não só pelas suas relações com o comunismo! Sem paixão, convém que pensemos no assunto, mas a longo prazo)”, escrevia o reitor do Santuário, monsenhor Luciano Guerra.

https://observador.pt/2024/03/24/a-relacao-de-fatima-com-o-estado-novo-exige-uma-investigacao-que-ainda-nao-esta-totalmente-feita/ 

terça-feira, 19 de março de 2024

Carlos Coutinho - Dá que pensar



* Carlos Coutinho

2024 03   PASSOU há dias pela Gulbenkian, em Lisboa, o corajoso historiador David Eltis que veio apresentar-nos o seu livro estarrecedor “Atlas do Comércio Transatlântico de Escravos”, o que prova que já há norte-americanos que não ignoram nem ocultam parte alguma do comportamento humano. 

   Escrito em coautoria com outro norte-americano, o historiador David Brion Davis, recentemente falecido, este livro revela números que dão para pôr um morto aos saltos na cova. 

   Nos 366 anos do tráfico legalmente admitido, ou seja, entre 1501 e 1867, atravessaram o Atlântico nada menos que 12 500 milhões de escravos, num dos “maiores crimes contra a Humanidade”. 

    Chegaram ao continente americano apenas uns 11 700 milhões, porque foram despejados para a água, por terem falecido durante a agrilhoada viagem, mais de 800 mil africanos, mercadoria maioritariamente transacionada no Golfo da Guiné por negreiros portugueses e espanhóis.

   Estive há anos num entreposto cabo-verdiano que foi assaltado algumas vezes por Sir Francis Drake e por outros corsários legalizados, franceses e holandeses. Trata-se de um espaço agora monumentalizado que fica na Cidade Velha, Ilha de Santiago. 

   Esse comércio hediondo, que também teve práticas generalizadas, embora muito menos lucrativas, em quase todo o resto do mundo,  rendeu tanto à coroa imperial ibérica que o rei Felipe II de Espanha e I de Portugal pôde importar da Itália cargas e cargas do branquíssimo mármore de Carrara para construir, ao lado do hipermercado de negríssimos escravos, uma basílica espaventosa que agora está em ruinas, mas ainda recebe sem qualquer relutância os turistas estrangeiros, mostrando-lhes até os muitos lagartos e relas que se refugiam na sombra escassa que há entre os arbustos. 

   Na presente versão portuguesa, este atlas macabro, com tradução de Helder Gregués e chancela da Universidade de Lisboa, estão 189 mapas criados a partir de mais de 30 mil viagens de navios negreiros onde Portugal surge como um dos grandes protagonistas do crime, ao lado da Espanha e, mais tarde, também da Grã-Bretanha, da Holanda e da França, etc., todos “ligados â geografia”, ou seja, “à mistura e colisão de povos, culturas e imperativos económicos pela ganância, império, correntes oceânicas e desejo de converter os corpos  dos humanos em culturas comerciais”.

   Convenhamos que esta é uma forma um pouco arrevesada de trazer à baila o assunto, mas salta à vista que não lhe falta a razão.

   É pena faltar o ponto que localizaria Cabo Verde neste mapa, o sítio em que está escrito 1560 - 1866

segunda-feira, 11 de março de 2024

O desprezível governo PS ou as acrobacias do Costa

quarta-feira, 8 de julho de 2020


Foto de Garry Winogrand (1928-1984)

Como é do conhecimento comum, o PS é catapultado para o governo quando a direita tout court já não consegue governar e/ou quando é necessário aplicar medidas, geralmente medidas de fundo, de carácter estrutural e inevitavelmente impopulares, devido a sua ainda maior base social de apoio; em 2015, tratava-se também da própria sobrevivência do PS, cujo espectro de desaparecimento a breve prazo era anunciado pelo afundamento dos congéneres europeus. Foi graças ao apoio dos dois partidos ditos de “esquerda”, BE e PCP/PEV, que o PS formou governo, ganhou umas eleições legislativa e se mantém ainda no poder, para legislar a favor de Bruxelas e da burguesia nacional.

A recente aprovação do Orçamento Suplementar, com a abstenção activa do PSD, relembrando que o Bloco Central não morreu, apenas se mantém adormecido, assim como do BE e do PAN, mostra que o prazo de validade do governo e do próprio PS ainda não chegou ao fim. Mostra, por outro lado, que o voto contra do PCP não passa de uma habilidade para manter o seu eleitorado, enquanto por detrás do pano mantém o diálogo, ou seja, a colaboração e o apoio activo à política do PS. Ao mesmo tempo, os partidos da ultra-direita marcam o ponto “anti-sistema”, quanto muito anti-regime democracia burguesa, porque este Orçamento, como todos os outros, dá com as duas mãos aos patrões o que rouba com a mão esquerda aos trabalhadores; aqueles poderão ter achado que o bolo que lhes calha é ainda insuficiente, como verberou o chefe da CIP.

Costa, depois de se manifestar satisfeito com o resultado da votação, tem a desfaçatez, como já nos habituou, de afirmar que “este não é um momento para a austeridade”, como o aumento de mais de 100 mil desempregados, em menos de um ano e segundo números oficiais, ou os 1 milhão e 400 mil trabalhadores a receber dois terços do salário durante 4 meses, não seja já por si uma austeridade, e bem grande. O PS, no governo, teve a habilidade de manter a austeridade em banho-maria sem nunca ter acabado com ela, e por uma simples razão, é que não há outra solução para vencer a crise do capitalismo senão apertar a tarracha da exploração; a habilidade consistiu em manter a paz social enquanto as coisas corriam bem, senão seria a revolta de quem trabalha. Agora, com o agudizar da crise, o PS mostra o que sempre defendeu: o grande capital e, em particular, os bancos.

A forma que o governo PS-marca-Costa encontrou para resolver os problemas da TAP e da Efacec, um pouco à semelhança da que foi arranjada para o Novo Banco, mostra mais uma vez, e de forma indisfarçável, que a sua missão é encontrar meios de o capital nunca deixar de se rentabilizar, isto é, sejam sempre garantidos os lucros dos patrões. Na TAP, o Estado entra com os 1200 milhões de euros, com o despedimento de trabalhadores cujo número irá ultrapassar os 3 mil, contando com os que já foram dispensados pelo lay-off, aliás, o que tem sido uma prática habitual neste tipo de reestruturação das empresas; na Efacec, o Estado nacionaliza a parte pertencente a uma empresária cleptocrata (seria um escândalo se o não fizesse) para depois a entregar a outros capitalistas, não importando se são nacionais ou estrangeiros, desde que entrem com o dinheiro e entreguem discretamente a devida comissão a quem por parte do governo intermediou o negócio. Sérgios Monteiros há muitos! 

Tem sido sempre assim, seja em governos PSD ou em governos PS, privatização=corrupção.

O caminho correcto, de um ponto de vista dos interesses dos trabalhadores, dos das empresas em causa e do povo trabalhador português em geral, seria o da nacionalização, sem indemnização, porque os lucros arrecadados pelos accionistas privados para além de ilegítimos já foram mais que suficientes, e sob inteiro controlo dos trabalhadores. Quanto à transportadora aérea nacional, tudo se prepara para ser entregue, mais dia menos dia, à alemã Lufthansa, depois de ser limpa das rotas que dão prejuízo, incluindo as que têm início no Porto, o que tem arreliado a cacicagem do Norte que gostaria andar de avião à custa do Orçamento do Estado, e de outros custos considerados supérfluos, nomeadamente os referentes aos salários dos trabalhadores. Será tempo do governo considerar que o futuro está no transporte ferroviário, que será o transporte por excelência por toda a Eurásia, de mercadorias e de passageiros, por mais económico, seguro e menos poluidor. É tempo de se apostar numa rede ferroviária eficiente e de qualidade, quer interna, inter-regional e suburbana, quer externa, com ligação à Europa e de bitola europeia, para acabar com o constrangimento da bitola espanhola, e fazer com que a economia nacional deixe de ser um prolongamento da economia espanhola (foi interessante ouvir o Costa falar portunhol em Elvas enquanto o seu homólogo falava em castelhano).

O caminho de ferro é fundamental para o desenvolvimento económico de um país e em Portugal nos últimos trinta anos não se fez outra coisa senão destruir as linhas existentes, acabar com as composições, deixou de se investir na manutenção do que existia e muito menos na inovação e na modernização, o aumento dos casos de infectados pelo coronavírus, o aparecimento de novos surtos em Lisboa, é a expressão da falta de qualidade dos nossos transportes ferroviários, e também rodoviários. Estes últimos foram entregues a privados, nacionais e estrangeiros, permitindo o surgimento de novos ricos, como é o caso Humberto Pedrosa (Grupo Barraqueiro/Fertagus), cuja fortuna pessoal começou no tempo do cavaquismo e nunca deixou de aumentar à custa do Estado e durante os governos do PS; foi no governo de PS/Guterres que lhe foi entregue a concessão da exploração do Eixo Ferroviário Norte-Sul da Região de Lisboa por 30 anos. É nesta lógica que temos de ver a solução para a TAP e a contínua degradação do transporte ferroviário.

Ouvir dizer ao ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, que a solução encontrada para a TAP foi a melhor para o país ou que os transportes públicos não são uma das origens do aumento da propagação da covid-19 é ouvir um mentiroso, tal como a ministra da Saúde, que não passa de uma chica-esperta e incompetente e cuja continuação no cargo é já posta em causa pelo dirigente do PS e presidente da Câmara de Lisboa, que vê a coisa mal parada quanto ao turismo neste Verão; e que há muito aqui temos reivindicado a sua demissão, bem como da incompetente Graças Freitas. Mas, diga-se em abono da verdade, ouvir aquelas duas araras a debitar mentiras e atoardas não difere muito de ouvir um primeiro-ministro, em programa humorístico, conduzido pelo novel bobo da corte oficial, afirmar que os antibióticos curam viroses. Aliás, ouvir isto ou ouvir um Trump que a covid-19 se pode tratar com injecções de lixívia não haverá grande diferença, estamos perante duas pessoas ignorantes e muito pouco humildes.

Esta gente não consegue esconder a sua verdadeira natureza, pessoas arrogantes que desprezam o povo, e por vezes, quando se distraem e baixam a guarda, mostram o que na realidade são e o que as faz mover, como diz o povo, a boca foge-lhes para a verdade. Foi revoltante ouvir a uma directora geral da saúde, na habitual homilia diária, tratar os assistentes operacionais, profissionais de saúde insubstituíveis e sem os quais o SNS simplesmente pararia, por “AO's”; o mesmo desprezo, a mesma insanidade, se assistiu quanto às recomendações para a noite de S. João depois de esta ter já passado. Os assistentes operacionais na saúde não são doutores, não têm protagonismo político, são tratados como gente de segunda, exactamente como os trabalhadores que são obrigados todos os dias a utilizar transportes públicos sobrelotados para irem trabalhar em fábricas e empresas, sem condições mínimas de higiene e sem dispor do mais elementar equipamento de protecção. Assim se percebe que os últimos focos da pandemia ocorram em empresas ou nos próprios serviços da administração pública: Sonae/Continente, Pingo Doce, DHL, conserveira Gencoal, S.A em Vila do Conde, Câmara Municipal Lisboa. Só para citar os últimos casos em empresas, porque em lares da terceira idade, a saga do coronavírus continua, espalhando-se agora pelas creches, ou seja, em áreas de protecção social que foram entregues aos privados, cujo móbil é o lucro, pelo Estado/governos que se demitiu das suas responsabilidades e entendeu malbaratar o dinheiro do contribuinte.

Caso curioso, nem as empresas onde ocorreram os surtos foram fechadas pelas autoridades e nem a concentração de convidados na embaixada dos EUA em Lisboa, para comemorar o dia da independência, foi impedida de se realizar pela PSP, apesar de esta estar presente, ao contrário de outras concentrações em festas por parte de pessoas do povo; nem ninguém foi preso, como aconteceu com um elemento do povo em Casal de Cambra, no concelho de Sintra, tendo estado preso durante dois meses por alegadamente ter apedrejado a polícia. E com a agravante é que para a festa dos americanos foram convidados políticos, que tiveram a protecção da PSP; pelos vistos, aqui já não há perigo de contaminação. Ou como vivemos num país com dois pesos e duas medidas e como a repressão é somente para ser exercida sobre os trabalhadores. Patrões, capitalistas, agentes do imperialismo, políticos vendidos, polícias corruptos (“Forças de segurança lideram suspeitas de corrupção na administração central”, título dos jornais) são imunes ao vírus, impunes perante a justiça e livres da repressão do Estado.

O Costa é um habilidoso, gosta de acrobacias no circo, dá ao povo pouco pão e muito circo, mantém-se no poder porque conta com a colaboração de todos os partidos com o traseiro acomodado nos cadeirões de S. Bento, tem todos os órgãos de comunicação ao seu serviço, mas não conseguirá levar a mentira e a prestidigitação por tempo indefinido, tudo tem um fim. E quando os trabalhadores se encontrarem numa situação sem saída à vista, o que forçosamente acontecerá com o agravamento da crise a breve trecho (PIB a encolher mais de 7% no final do ano, desemprego a disparar para o dobro em relação a 2019,dívida pública a ultrapassar os 135% do PIB), irão abrir os olhos, tomar consciência e seguir o caminho da emancipação. A velha toupeira é incansável no seu trabalho e, enquanto isso, sair do euro e da União Europeia não é apenas uma simples reivindicação, é uma necessidade para evitar o desastre e o suicídio colectivo.

Postado por O BÁRBARO às 14:22 
https://cronicasdobarbaro.blogspot.com/2020/07/o-desprezivel-governo-ps-ou-as.html

Banqueiros, governo psd/cds e fascismo



 
quarta-feira, 5 de julho de 2023


Quando dava o fanico a Cavaco, o BES já em falência e o governo aumentava a austeridade e a repressão, se previa o desaparecimento do CDS, a vitória do PSD sem maioria e a possibilidade do PS ir para o governo e mais tarde a necessidade de maioria absoluta. Estávamos em 2014

Banqueiros e governo almejam o fascismo

Foi o presidente do BPI, como tem sido habitual em situações semelhantes, um dos primeiros a vituperar a decisão dos juízes do Tribunal Constitucional em chumbar as normas ilegais da Lei do Orçamento de Estado que levaram aos cortes dos salários dos trabalhadores da função pública, utilizando argumentos falaciosos, em sentido análogo ao dos governantes e dirigentes do psd, querendo justificar os interesses da classe dos banqueiros a todo o custo. Custo da política de austeridade que continua e irá redobrar no horizonte mais próximo, certo e sabido até 2019 (é o incontornável governador do Banco de Portugal que o afirma, mais uma vez bota palavra), e assacado ao povo português.

Conta que irá agravar-se, nem que seja por razões “nacionais”, por exemplo, o banco do regime, o também inconfundível BES, desvenda mais um pouco o buraco em que se encontra: o BES Angola apresenta um rombo de 5,7 mil milhões de dólares, resultante de empréstimos concedidos a altas figuras do regime corrupto daquele país, mas que a gerência diz não saber bem onde foi parar o dinheiro, numa demonstração clara de impunidade e de confiança de quem alguém (o povo português e possivelmente o povo angolano) irá pagar o desfalque.

O fascismo é o governo exercido pelos banqueiros

Nunca se tinha visto banqueiros e governadores do BdP, para além dos habituais economistas, ex-ministros e outros comentadores/paineleiros, a botar faladura com tanta frequência e prosápia sobre política e, principalmente, sobre as contrariedades governativas. Os argumentos são mais que falaciosos, são demagógicos, mentirosos, deliberadamente confusos e enganadores para a opinião pública.

Argumentar que o TC está a imiscuir-se na actividade legislativa e que “assuntos económicos” não são da sua competência, e vão para além da questão jurídica, é dizer, através de uma fraseologia pretensamente técnica, que vale tudo, que o Parlamento, nas mãos do executivo, pode decidir a bel-prazer, ou seja, se pode governar em ditadura, desta vez sem fechar o Parlamento como já aconteceu em outros períodos de profunda crise política da história do povo português, estamos lembrados da ditadura de João Franco, em véspera do regicídio e do imediato fenecimento da monarquia.

Não há dúvidas de que os banqueiros controlam abertamente o governo, sem intermediários e disfarces, só falta serem eles os ministros, como acontece na actual fascista Ucrânia em que os principias governantes, desde o Presidente da República recentemente eleito em eleições fantoches aos governadores das regiões, são os indivíduos mais ricos do país, enriquecidos, diga-se de passagem, pelo saque das empresas públicas que foram “vendidas” dez vezes mais baixo que o seu real valor.

E se há partidos e gente que faz o frete não será somente por serem corruptos e de estarem à espera de boa recompensa em lugares de conforto nos conselhos de administração dos bancos e de outras empresas que enriqueceram à custa dos negócios com o estado, mas porque a nossa burguesia e os partidos que a servem fizeram profissão de fé aliarem-se ao grande capital financeiro europeu, com o alemão em posição dominante, com o duplo objectivo de sobreviverem e de sobre-explorarem os trabalhadores e o povo português.

Os fanicos do senhor Silva




Enquanto o povo caminha a passos largos para a miséria e o país para bancarrota, sendo indisfarçável a necessidade de um segundo resgate e daí o preparar da opinião pública para tal, ao PR senhor Silva dá-lhe o fanico em situação de contestação pública e em dia de comemoração da “raça”, e ao PS, o “principal partido da oposição”, dá-lhe a guerra intestina pela disputa do pote e para salvação do regime e dos banqueiros e capitalismo nacionais.

O fanico do senhor Silva, ao que consta é o terceiro (e não o segundo, o primeiro foi quando os estudantes uma vez irromperam pelo gabinete quando era professor) desde que se meteu na política, vale pelo simbolismo, ele é também a falência do governo psd-cds e do próprio regime de democracia de opereta. Os espasmos vagais são resultantes não de uma hipotética doença de Alzheimer, como alguém quer fazer crer, mas próprios de personalidades histriónicas que não admitem a contrariedade nem a frustração, são expressão de um mau carácter, de quem deseja e prepara o fascismo; que bem pode vir pela mão de um ps, com ou sem o Costa.

Porque a revolta do povo a isso obrigará, fazendo com que a burguesia adopte formas de governo mais musculadas que, por sua vez, irão precipitar e provar sem margem para dúvidas que a única alternativa que os trabalhadores têm para a saída da crise do capitalismo é o socialismo.

Enquanto se adensam no horizonte próximo as nuvens da austeridade levada a expoente máximo, o tal de “principal partido da oposição” desintegra-se em disputas internas em vez de envidar todos os esforços e recursos para o derrube do governo fascista psd/cds. Contudo a verdadeira natureza das pretensas divergências internas torna-se clara e evidente: não se pretende um ps com uma direcção forte para fazer inverter a 180 graus a política defendida e aplicada pelo psd/cds, mas para impor a mesma política em grau redobrado.

O PS como tábua de salvação do capitalismo

Não será um ps sem maioria absoluta, e com a impossibilidade de se aliar mais uma vez com o cds, que irá ser reduzido à sua expressão mais simples em termos eleitorais, que conseguirá colocar em prática as medidas económicas que mantenham ou venham mesmo aumentar a exploração do povo português para salvação do capitalismo nacional e para benefício dos lucros e da concentração do grande capital financeiro europeu e internacional (norte-americano, mais precisamente, via FMI).

O partido que foi fundado pelos herdeiros da I República e com os marcos da social-democracia alemã será ainda o único capaz de trazer de novo o apoio da dita “classe média” causticada pela política de austeridade do governo ainda em funções a uma política de pretensa “salvação nacional”, mas para tal precisará de maioria absoluta. O resultado das eleições europeias revelaram que não só o ps não consegue formar governo sozinho, como o cds irá desaparecer do mapa, como o psd também pode ganhar as eleições mas também sem maioria e sem possibilidade de repetir a aliança com o actual parceiro, e que só duas saídas estarão disponíveis: ou a aliança de ps com psd, tão de agrado do senhor Silva e de alguns altos dirigentes do ps, ou ps terá de criar uma maioria que não sabemos como conseguirá atendendo a que o povo português, apesar de ser acusado frequentemente de amnésia, ainda está bem recordado do que foi o governo ps/engº Sócrates.

Caso o Costa de Lisboa alcance o poder dentro do partido e venha a ser o primeiro ministro de Portugal a seguir a 2015, e as eleições terão que ser realizadas na data prevista para que haja tempo para o assalto ao castelo, daí o ps nunca se ter empenhado em derrubar o governo, virá a revelar-se um “filho da puta” (estamos a falar em termos políticos, como é óbvio) muito parecido senão pior que o dito “engenheiro Sócrates”. Ele igualmente bom para ir buscar o fascismo, pese o rótulo de “democrata” colado pela extrema-esquerda, ansiosa de também aceder à gamela do orçamento e do aparelho da administração burguesa.

São mais que numerosos os sinais enviados pelo psd/cds e seus amos banqueiros para o regresso do fascismo em Portugal e em curto prazo de tempo. O senhor Silva não enviou a Lei do Orçamento para o Tribunal Constitucional porque os pareceres que lhe apresentaram não detectaram qualquer inconstitucionalidade e o senhor Coelho depois do chumbo do TC quer mudar os critérios de nomeação dos juízes daquela instituição apesar de dos 13 juízes 10 serem de nomeação partidária. É o oitavo chumbo do TC, os dirigentes dos psd e cds eriçam-se porque não podem cumprir a tarefa de transferência da riqueza do trabalho para o capital sem obstáculos, querem tomar as medidas que bem entendem, fazendo do Parlamento, o órgão por excelência e símbolo da democracia dos cravos, um simples ornamento.

O fascismo é sempre bem-amado pela elite

Querem o fascismo, a acumulação do capital não se compraz com democracias quando se tornam um estorvo, estas servem só na justa medida em que permitem uma mais fácil ilusão dos trabalhadores a fim de se deixaram explorar mais docilmente. Quando isto começa a deixar de resultar, então o mais prático e rápido é o fascismo; a Ucrânia é neste momento a melhor prova desta mudança de actuação do grande capital. E a exemplo do que se passa na União Europeia, onde os órgãos eleitos mais não passam de decoração de um regime autoritário onde tudo o que é essencial é decidido em órgãos não eleitos. Razão que justifica em grande medida a enorme abstenção nas eleições do passado dia 25 de Maio.

E a par da abstenção assistiu-se à subida dos partidos da extrema-direita e dos ditos eurocéticos, em geral, que, no dizer de certa esquerda nacional (resistir.info) até apresentou “propostas perfeitamente razoáveis, corajosas e até meritórias”, ou seja, o caminho a seguir será o da “saída do euro, defesa da indústria nacional, ruptura com a globalização e a independência”, tout court. 

Em suma, entre a extrema-direita e a esquerda que ainda se arvora oficialmente do comunismo, como é no caso presente, não há diferença de monta, depois não venham queixar-se da ascensão eleitoral dos partidos da extrema-direita e a quebra (ou inútil ténue subida) dos PC's ortodoxos de ex-tendência soviética, já para não falar do quase desaparecimento de BE's (o grego Syriza será a excepção, porque ocupando o lugar do Pasok). Esta gente, e não terá sido só o ps, meteu o socialismo na gaveta, e pior ainda, enfiaram o socialismo e o comunismo em cova bem funda, ficando-se pela social-democracia, o quer dizer, o aperfeiçoamento e regulação do capitalismo, de preferência, um capitalismo com cor nacional; que é onde conduzem as medidas avançadas por um FN da família le Pen.

O caminho é o socialismo/comunismo

Quando o capitalismo se encontra na sua fase última de vida, em estertor que, e apesar e por isso mesmo, pode ser demorado e doloroso para o mundo do trabalho, esta gente não aponta abertamente para uma solução socialista, porque presas aos medos e complexos da classe de onde provém a maioria dos dirigentes destes partidos, a classe média, melhor dizendo, a pequena-burguesia que tem mais medo do comunismo que do fascismo. Querem pôr a roda da história a andar para trás, depois não venham queixar-se do regresso do fascismo ou de soluções populistas, do género Marinho e Pinto, que a prazo conduzem ao mesmo.

O caminho é o do socialismo/comunismo e não das pretensas “democracias do século XXI” ou das “revoluções democratas e patrióticas” chinesas, como se a situação na Europa meridional e periférica (PIIGS) fosse ainda semelhante à que existia no mundo não industrializado da primeira metade do século passado. Neste mundo globalizado capitalista a alternativa é o socialismo/comunismo, não há etapas intermédias, estas servem para empatar e dar mais fôlego à burguesia e prolongar o capitalismo. Cada vez mais se sente a necessidade de uma alternativa socialista e revolucionária, ou seja, o comunismo.

15 Junho 2014

www.osbarbaros.org

Postado por O BÁRBARO às 14:53 
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A Economia em estado comatoso, o fascismo brando e o PS em fim de linha

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

 

cartoon de João Abel Manta 

O alarme, o medo, o estado de emergência, com a mentira e a manipulação pelo meio, têm sido a estratégia do governo PS/Costa neste segundo mandato para impôr uma segunda vaga de austeridade, agora em dose maciça. Para atingir o objectivo há que amedrontar o povo e os trabalhadores e atirar com a responsabilidade para uma falsa pandemia, por sua vez, amplificada por uma imprensa subserviente, paga por muitos milhões de euros através de contratos de publicidade institucional e que agora, em final de Novembro, serão renovados, para continuar a propagar a mentira e induzir o medo. A declaração de estado de emergência, com o apoio servil da Assembleia da República, cada vez mais secundarizada para o papel de caixa de ressonância do executivo, e sob o alto patrocínio do PR Marcelo, que em segundo mandato irá mostrar os dentes, tal como o faz presentemente o Costa, e a explicitação em reunião extraordinária de ministros das medidas concretas que enformam a situação de suspensão de algumas liberdade e direitos dos cidadãos foram antecedidas, acompanhadas e seguidas por números manipulados e até falsos com um único fito de lançar o pânico e levar à aceitação de uma inevitabilidade, como se a vida de cada português estivesse em causa com uma virose que não mata mais do que qualquer outra patologia de causa infecto-contagiosa já existente em Portugal.

Os números apresentados são para isso mesmo, para aterrorizar, os títulos da imprensa o dizem: “Nunca em Portugal se registaram tantos casos em 24 horas: mais 5.550 infetados, a maioria no Norte (3.006)“ (DN, 06), “Pico de 6500 casos por dia de covid-19 esperado para o fim de Novembro” (JN, 07), “COVID-19: Portugal com novo recorde de óbitos. Mais 63 mortes e 4.096 infetados em 24 horas” (DN, 09), “Portugal ultrapassa as 3 mil mortes, com mais 62 nas últimas 24 horas” (DN,11), contudo a imprensa passa ao de leve ou não fala de todo que se em Março se começou a testar 800 pessoas se passou em Novembro (dia 05) a testar mais de 40 mil por dia, o que prova que a letalidade é pequena (1,7%), mas o medo devido ao matraquear constante dos números fica. Números que afinal até serão falsos, como denunciam os 12 investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em estudo publicado que aponta que os dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) que têm sido fornecidas à comunidade científica, nos últimos meses, sobre os casos de Covid-19, “têm uma qualidade baixa, erros, inconsistências e muita informação em falta”, onde são encontrados “casos de um doente com 134 anos e três homens classificados como 'grávidos', bem como 19 doentes que supostamente teriam tido a doença antes do primeiro caso que se sabe que foi diagnosticado em Portugal”, colocando por terra a fiabilidade de todos os dados. O governo pode mentir uma vez e mais vezes, mas não conseguirá mentir sempre de molde a continuar com a intimidação, os factos são a contraprova da mentira e o povo mais cedo ou mais tarde abrirá os olhos e enviará o PS para o sítio onde já deveria estar, a história do lixo político.

A economia nacional encontra-se em estado comatoso

Por que é que o governo do Costa e do PS se encarniça na mentira e decretou o estado de emergência, não foi para “controlar e reprimir a pandemia” ou “apoiar os profissionais de saúde”, como Costa não se cansa de afirmar? Por uma simples razão, é que a economia nacional se encontra em estado comatoso, se em 2010 eram os bancos que se encontravam à beira da falência, agora são as empresas em geral que vêem os lucros a estagnar, muitas delas estão descapitalizadas e com o mercado a não conseguir consumir o excesso de produção do capitalismo devido à diminuição dos rendimentos dos trabalhadores – uma das contradições do capitalismo. As medidas que irão ser aplicadas daqui para frente, na continuidades das que foram no quadro do primeiro estado de emergência, serão para salvar as grandes empresas, os grandes capitalistas e patrões, não os pequenos e mesmo médios, como diz Costa: “"as medidas... não são alternativas ao layoff, somam-se ao layoff", reforçando que "o layoff continua a existir, quer o geral como a medida de apoio à retoma que substituiu o layoff simplificado", e já foram 1.550 milhões de euros, para além da “bazuca” que já está a caminho, são 750 milhões em subsídios a fundo perdido para as ditas “micro e pequenas empresas” que apresentem uma quebra de facturação de pelo menos 25% nos primeiros nove meses deste ano. Ora, iremos ver muitas empresas a apresentar subfacturação sem necessitar de ajudas e outras já com a corda ao pescoço a falirem inapelavelmente. Costa não acredita que seja possível "impedir a insolvência de todas as empresas" e assim estaria a pensar, já depois do estado de emergência em vigor e com o seu ar de hipócrita crónico, nas medidas mais adequadas, que irão sobretudo para os grandes hoteleiros e cadeias de restauração... um dia destes quem quiser tomar uma refeição pouco mais terá para além de um McDonald's ou de um Burger King e em centros comerciais. O pequeno comércio de rua terá desaparecido por força da prisão domiciliária dos portugueses , e em especial aos fins de semana!

Não será só o pequeno comércio ligado ao turismo, mas serão todas as pequenas e empresas que terão de fechar, no processo pandémica acelerado da concentração do capital, e é entidade insuspeita, agência Moody's, que o revela de forma insofismável: “Portugal é dos países que poderá ter maior destruição económica”. E em função disso, e não só, será um dos países que terá mais dificuldade em sair da crise económica e se alguma vez o conseguir fazer, porque economia dependente e subsidiária dentro da UE, onde faz 70% das suas trocas comerciais. E, mais importante ainda, a dívida pública que irá subir para os 135,1% do PIB, segundo perspectiva da Comissão Europeia, acima dos 134,8% previstos pelo Governo no OE 2021 – uma dívida cada vez mais impagável. E não será apenas Portugal, como todos os países do sul, Grécia e Itália, a que se pode acrescentar Espanha, com a maior quebra do PIB neste momento, devido ao grande número de pequenas empresas e, por essa razão, “de reduzida dimensão, possuem menores alternativas de financiamento e menores horizontes”. Uma perspectiva de uma situação que, segundo o relatório “Perpectivas Mundiais dos Soberanos (estados)”, que se irá estender por 12 a 18 meses. Será ainda mais grave no nosso país porque não há indústria nem o país se poderá reindustrializar no quadro da União Europeia, como a emigração, escape para a mão-de-obra excedentária, se encontra bloqueada na justa medida em que os países mais ricos e industriais, Alemanha e França, ou tradicionais destinos da emigração portuguesa, se encontram igualmente em crise (o Reino Unido já não faz parte da UE) e as suas necessidades de mão-de-obra barata e dócil já foram supridas pela imigração de refugiados.

Daqui para a frente será mais desemprego e mais miséria sem que o sistema económico consiga dar solução, já que a reorganização e possível recuperação do capitalismo será sempre com menos mão-de-obra e salários mais baixos, a robotização anunciada, tal como a introdução da máquina a vapor nos primórdios do capitalismo, será feita com mais desemprego (espera-se que um robot faça o trabalho de pelo menos três trabalhadores) e miséria para os trabalhadores, agora para todos e não apenas para os operários, daí a proletarização da pequena-burguesia que vai dando terreno para o medrar dos populismos e da extrema-direita. E os números não metem: a diferença do rendimento médio bruto por agregado entre aquele com maior rendimento (IRS) e o com menor rendimento era, em 2011, de 171 vezes, em 2015 de 174 vezes e, em 2018, era já de 182 vezes; no 4º trimestre de 2019 havia 522.300 desempregados, no 3º trimestre de 2020 são já 655.100, sendo o desemprego é a causa mais importante da pobreza no país; antes da pandemia, 47,5% dos desempregados estavam no limiar da pobreza e a maioria dos desempregados não recebe o subsídio de desemprego porque a lei os exclui; no fim do 3º trimestre de 2020, o teletrabalho já abrangia 681.900 trabalhadores, segundo o INE, e a partir da imposição do segundo estado de emergência com a sua obrigatoriedade, irá disparar, o que significa menos rendimentos para os trabalhadores e mais lucros para os patrões. A pandemia traz mais pobreza e miséria enquanto permite aos ricos ficarem cada vez mais ricos.

A pandemia do medo como distracção

A pandemia do medo tem outra finalidade, além do resultado de justificar a miséria, o de distrair os trabalhadores e o povo de assuntos que neste momento são questões de primordial importância para a sobrevivência de quem trabalha e produz, como é a discussão e aprovação do Orçamento de Estado para 2021. Em artigo anterior já denunciáramos o facto da disputa entre as diversas cliques da classe dominante e outras clientelas dependentes dos dinheiros públicos era o pote não ser suficiente, para mais em tempo de vacas magras, e não é que, sem surpresa para nós, que o incontornável advogado dos negócios e ministro da Economia veio desabafar para a opinião pública que “Ninguém está satisfeito; à mesa do Orçamento, todos acham que é insuficiente aquilo que lhes toca". O homem, para além de verberar que “todos acham que é insuficiente aquilo que lhes toca”, deixa claro que “o Governo tem de gerir aquilo que tem” e será neste cuidado que o governo e o ministro não deixarão de dar às grandes empresas, onde se inclui a banca, o maior quinhão, abrangendo todos aqueles que à mama da pandemia vão enchendo os bolsos: 496 milhões de euros para testes, equipamentos e outros serviços.

Perante a pressão dos lóbis, foi dado como garantido pela ministra da Saúde, e já orçamentado, mais 35 milhões de euros para os hospitais privados pela ocupação de umas, por enquanto, largas centenas de camas para doentes não só covid-19, como para de outras patologias, tendo ordenado o fecho, alegando caso de necessidade, dos serviços do SNS no atendimento dos casos não covid-19, o que irá engrossar as listas já de si enormes para cirurgias, consultas, exames complementares de diagnóstico e outros cuidados de saúde, incluindo os de enfermagem. Não deixa de ser curioso assistir ao perorar de um Marques Mendes, o conhecido recadeiro de Marcelo, na televisão do sócio nº1 do PSD, contra as dificuldade do SNS, já que o homenzinho é responsável máximo de um dos mais importantes grupos económicos privados da saúde, a Lenitudes! No entanto, os cuidados prestados no privado não serão de qualidade e haverá sempre o risco de o sector também estourar como o público, porque a maior parte dos enfermeiros e médicos que ali trabalham ser constituída por funcionários públicos que acumulam os dois lados. É todo o SNS que está a ser degradado e sem haver uma resposta de qualidade e à altura por parte do sector privado ou social, estando aí outros casos a comprová-lo: "desde 29 de outubro foram detetados 64 casos de legionella no norte do país", com 6 mortes, não se conhecendo exactamente qual a fonte do contágio. Outros casos surgirão, o concentrar de meios no pretenso combate à pandemia irá fazer com que outras patologias atinjam números que não existiam até agora, estando aí o número de mortes a mais para o atestar.

A pandemia como meio para endurecer as medidas de controlo e de repressão dos trabalhadores

A pandemia é, a par do espantalho do terrorismo, um bom pretexto para endurecer as medidas de controlo e de repressão dos trabalhadores e do cidadão em geral, é com o recolher obrigatório, ainda circunscrito a 121 concelhos em Portugal, mas que facilmente se prevê que será estendido a todo o território continental, visto que o número de infectados aumentará em proporção ao número de testes diários e de mortes, que poderão atingir as 100 por dia, e não será preciso ser matemático para ver isto, já que não se está a proteger os grupos mais vulneráveis, idosos e doentes crónicos que agora vêm as portas do SNS a fechar, e se testa inclusivamente os mortos suspeitos de terem tido contacto com alguém com teste positivo apesar de não sintomático, chegando-se ao cúmulo de se considerar “paciente assintomático” as pessoas saudáveis.

Mais liberdades, direitos e garantias reprimidas pelo governo a nível interno e mais limitação de entrada de imigrantes é a política que vai prevalecer em todos os estados da UE, e as medidas estão aí a começar por alguns países: o presidente francês Macron anunciou reforço de patrulhas fronteiriças e quer reforma de Schengen e o chefe da diplomacia italiana, Luigi Di Maio, propôs um `Patriot Act` europeu, semelhante à lei antiterrorista nos EUA. Qualquer indivíduo pode ser detido por tempo indeterminado desde que acusado de “terrorismo”, sabendo nós que estes grupos de mercenários foram criados pelos países do Ocidente para fazerem o trabalho sujo das suas forças armadas, como ficou bem provado na Síria. Como se acaba com a democracia, sob pretexto de se querer defender a vida dos cidadãos a nível da saúde e da segurança física! Costa já o afirmou, o estado de emergência poderá ir até ao fim da pandemia, e a Ordem dos Médicos concorda com o estado de emergência. Os portugueses ficarão em prisão domiciliária até quando calhar!

A par da repressão pelo cacete, a repressão sobre aqueles que pensam diferente, independentemente de ser por boas ou más razões, há muito, ainda antes da pandemia, se faz sentir: são os facebook ou twitter que fazem censura sobre as opiniões politicamente incorrectas, estejam mais à esquerda ou mais à direita, ou os artigos de opinião pagos a milhares de euros para descredibilizar quem contesta os dados e o discurso apresentados pelo governo, taxando de nagacionistas e de ignorantes e de outros impropérios mais violentos os que desalinham, ou são as televisões do império que cortam a palavra ao candidato que se pretende derrotado. O dito quarto poder cada vez com mais força para controlar a mente e o comportamento dos cidadãos. São as televisões que anunciam oficialmente o candidato vitorioso, ainda antes da instituição do estado que tem essa missão, são as televisões que vendem um candidato Marcelo que ganha sem precisar de fazer campanha no tempo próprio, são as televisões que lançam o impedimento de presidentes democraticamente eleitos quando deixam de ser convenientes para o sistema, são as televisões que amplificam os números deturpados da DGS, são as televisões de difundam o medo e criam o alarmismo, são as televisões que promovem a bufaria, sendo frequente ver pessoas na rua a olhar desconfiadas para outras que não usam a máscara, ou a telefonar para a polícia porque há um grupo de jovens em alegre farra em casa ou em bar já fora de horas. As televisões, nas mãos de grandes grupos económicos financiados com dinheiros públicos ou públicas dirigidas por ex-deputados e dirigentes do partido da oposição são os olhos do Big Brother. Em Dezembro irão receber outros 15 milhões de euros.

A democracia parlamentar burguesa está suspensa e dará lugar ao fascismo brando

É toda uma política económica de impôr a austeridade sobre os trabalhadores, uma política de repressão e de silenciamento, atentatória dos mais elementares direitos individuais, sobre o povo em geral, políticas impostas por um governo, cingindo-nos agora ao nosso país, por um governo que se diz de esquerda e que fará com que o próximo governo seja um governo aberta e formalmente de direita, aproveitando demagogicamente de uma política que facilmente terá sido identificada de “esquerda”, na medida em que foi aplicada por um governo também dito de “esquerda” e apoiado por toda a esquerda bem comportada do regime, pese toda a desculpabilização pela pandemia. Ninguém se admire que este governo PS/Costa não chegue ao fim de mandato por diversas razões, porque a mentira não dura sempre e Costa será escorraçado pela falsidade e pelo agravamento inaudito das condições de vida do povo português e porque Marcelo já em segundo mandato fará a este governo bem pior que o seu antecessor fez ao governo Sócrates/PS e não descansará de pôr na governação o seu partido e mais uns acrescentos. A democracia parlamentar burguesa está suspensa, dará lugar ao fascismo brando, porque o capitalismo se encontra falido.

Os resultados das eleições para a Assembleia Regional dos Açores marcam o princípio do fim de linha do PS,

porque já deixaram indício do que poderá acontecer no Continente, quando a miséria aqui igualar a miséria no arquipélago, esta agora ainda a vários pontos acima no que concerne a privação material severa, beneficiários do RSI e taxa de desemprego, será uma geringonça de direita, com o ainda principal partido da burguesia nacional a aliar-se com a extrema-direita; extrema-direita essa que apenas teve o trabalho de se mostrar porque sempre esteve lá dentro, desde que o PPD foi fundado. E ninguém se admire com a participação do partido de extrema-direita no governo, que irá sendo entretanto normalizado, quer pelo PR Marcelo quer por toda a imprensa de referência, com o seu dirigente-comentador-desportivo-televisivo a sobraçar alguma pasta mais importante, género Administração Interna ou Defesa. Se isto vier a acontecer, a exemplo do que está a suceder por essa Europa fora, devemos agradecer a um PS, com a sua política de direita a destruir a sua base de apoio, e aos partidos de dita “esquerda”, BE, ansioso em ir para o governo, e PCP, com as suas oportunistas abstenções e votos contras a pensar no próximo acto eleitoral, aplanaram o caminho para o fascismo - como já aconteceu no passado. De nada valerão as lágrimas de crocodilo dos falsos democratas nem os abaixo-assinados-cordões-sanitários... porque é da sobrevivência do capitalismo, e da burguesia, que se trata.

À medida que os campos se extremam, a luta de classes se intensifica, a revolução comunista surge como iminente e necessária.

Postado por O BÁRBARO às 10:42 
https://cronicasdobarbaro.blogspot.com/2020/11/a-economia-em-estado-comatoso-o.html? 

domingo, 10 de março de 2024

A economia e os efeitos na pobreza


Gaza-Poverty  Independent Press

 
“Ás vezes falamos da fome no mundo como se fosse um flagelo que todos nós queremos ver abolido, considerando-a comparável à peste ou à sida. Mas esta visão ingénua impede-nos de compreender o que causa e mantém a fome. A fome tem um grande valor positivo para muitas pessoas. De facto, é fundamental para o funcionamento da economia mundial. As pessoas com fome são as mais produtivas, especialmente quando há necessidade de trabalho manual. (...) Grande parte da literatura sobre a fome fala da importância de assegurar que as pessoas sejam bem alimentadas para que possam ser mais produtivas. Isso é um disparate. Ninguém trabalha mais do que as pessoas com fome. Sim, as pessoas bem nutridas têm maior capacidade para a atividade física produtiva, mas as pessoas bem nutridas estão muito menos dispostas a fazer esse trabalho. (...) Para os que se encontram no topo da escala social, acabar com a fome a nível mundial seria uma catástrofe. Se não houvesse fome no mundo, quem é que iria lavrar os campos? Quem colheria os nossos legumes? Quem trabalharia nas fábricas de transformação de subprodutos? Quem limparia as nossas casas de banho? Teríamos de produzir os nossos próprios alimentos e limpar as nossas casas de banho. Não é de admirar que as pessoas de topo não se apressem a resolver o problema da fome. Para muitos de nós, a fome não é um problema, mas um trunfo.” George Kent, Os benefícios da fome no mundo – UN Chronicle 28nov2021.


“Algumas observações sobre a construção, pelo Presidente Biden, de um "cais temporário" para fazer chegar a ajuda a Gaza. 1. Biden está a violar o bloqueio de 17 anos de Israel a Gaza com este plano. Gaza não tem um porto marítimo, nem um aeroporto, porque Israel, o seu ocupante, há muito que a proibiu de os ter. Israel proibiu a entrada em Gaza de tudo o que não passasse pelos pontos de passagem terrestres que controla. Israel impediu, muitas vezes de forma violenta, que as frotas de ajuda internacional chegassem a Gaza para trazer medicamentos. O bloqueio também criou um mercado cativo para os produtos de má qualidade de Israel, como a fruta e os legumes estragados, e permitiu que Israel desviasse dinheiro nas passagens terrestres que deveria ter ido para os palestinianos em taxas e impostos. 2. Com o seu cais, Biden não está a inverter essa conivência de longa data com um crime contra a humanidade. Ele sublinhou que será temporário. Depois disso, Gaza voltará a funcionar como sempre: as crianças que sobreviverem voltarão a morrer de fome em câmara lenta, a um ritmo que não será registado pelos media e que pressionará Washington para que se veja que está a fazer alguma coisa. 3. Biden poderia fazer chegar a ajuda a Gaza muito mais depressa do que construindo um cais, se quisesse. Poderia simplesmente insistir para que Israel deixasse passar os camiões de ajuda pelos pontos de passagem terrestres e ameaçá-lo com graves repercussões caso não cumprisse. Poderia ameaçar reter as bombas americanas que está a enviar para matar mais crianças em Gaza. Ou pode ameaçar cortar os milhares de milhões de dólares de ajuda militar que Washington envia todos os anos para Israel. Ou pode ameaçar recusar o veto dos EUA para proteger Israel das consequências diplomáticas nas Nações Unidas. Podia fazer tudo isto e muito mais, mas opta por não o fazer. 4. Mesmo depois de Biden comprar a Israel mais algumas semanas para continuar a matar agressivamente à fome os palestinianos em Gaza, enquanto esperamos que o seu cais temporário esteja concluído, na prática, nada poderá mudar. Israel continuará a efetuar os mesmos controlos que faz atualmente nos pontos de passagem terrestres, mas em Lanarca, Chipre, onde a ajuda será carregada nos navios. Por outras palavras, Israel continuará a poder criar os mesmos intermináveis bloqueios, utilizando como pretexto "preocupações de segurança". 5. Biden não está a mudar de rumo - temporariamente - porque de repente se preocupa com as pessoas, ou mesmo com as crianças, de Gaza. Há décadas que sofrem na sua prisão ao ar livre, em diferentes graus. Se ele se preocupasse, teria feito alguma coisa para acabar com esse sofrimento depois de se tornar presidente. Se tivesse feito alguma coisa nessa altura, o dia 7 de outubro poderia nunca ter acontecido e todas as vidas perdidas de ambos os lados - vidas que continuam a ser perdidas do lado palestiniano a cada poucos minutos - poderiam ter sido salvas. E se ele realmente se importasse, não teria ajudado Israel nos seus esforços para destruir a UNRWA, a agência das Nações Unidas de assistência aos palestinianos e uma tábua de salvação vital para Gaza, congelando o seu financiamento, com base em alegações não comprovadas de Israel contra a agência.” JONATHAN COOK, Substack.

Posted by OLima at domingo, março 10, 2024 
https://onda7.blogspot.com/2024/03/bico-calado_01998493720.html

António Guerreiro – As sondagens: modo de usar

 CRÓNICA ACÇÃO PARALELA

* António Guerreiro

 7 de Março de 2024 

 

A política-espectáculo cresce à medida que diminui o poder político que se exerce no interior de um Estado que é cada vez menos soberano.

 

Um dos slogans inventados no Maio de 68, às vezes recordado como uma peça de arqueologia revolucionária, como muitos outros surgidos nesse tempo, desdenhava alegremente do acto essencial da afirmação da democracia: “Élections, piège à cons”. Traduzido em português nunca funcionaria porque perde a rima e o ritmo prosódico: “Eleições, armadilha para imbecis”.

 

Actualmente, não existe no espectro político nenhum extremo que ouse pôr em causa o formalismo democrático do voto. “Porquê votar?” não é pergunta que hoje se faça publicamente e com um alcance político programático. Em contrapartida, tem aumentado incessantemente os que se interrogam – “Em quem votar?” – até ao momento de colocar a cruz no boletim e os que, incapazes de decidir, engrossam as fileiras dos abstencionistas.

 

Os “indecisos” tornaram-se uma categoria decisiva. Por isso é que as sondagens, outrora tão fiáveis, se tornaram um deficiente instrumento de medição do resultado final. Podemos pressentir que se deu um fenómeno de inversão ou de reversibilidade: as sondagens, que dantes calculavam com precisão as intenções de voto sem interferir nelas de maneira significativa, tornaram-se um elemento que determina, em última instância, a escolha do eleitor. O eleitor informado toma as sondagens para calcular o sentido do seu voto.

 

Evidentemente, isso deu-se à medida que se multiplicaram as sondagens pré-eleitorais e que os cidadãos aprenderam a lê-las e a avaliá-las na sua dimensão performativa, isto é, enquanto acção pragmática. Mas tal aconteceu porque aumentou o voto estratégico que oscila em função das configurações da paisagem eleitoral, das posições dos partidos nos rankings. Isto significa que as sondagens, através deste processo de retroacção, entram ilegitimamente no jogo eleitoral? Se elas, afinal, são um instrumento do cálculo do eleitor e não a sua instrumentalização, então não devemos tirar essa conclusão. O problema está noutro lado: na modalidade do discurso político que engendrou este cidadão-termostato cuja acção é profundamente uma reacção.

 

Vivemos colectivamente (refiro-me ao espaço público mediático), durante estas últimas semanas, sob o primado da política dos políticos e da política dos media. A cena política, em momentos como este, transforma-se numa arena onde cada um exibe uma virtual potência de decisão em todos os domínios da sociedade. Sabemos, no entanto, que tanta vontade e preparação para fazer mil e uma coisas não passa de tagarelice por várias razões: porque quem chega ao poder governamental tem de se conformar com uma fraca soberania, só pode agir respeitando os poderes formais e informais das instituições europeias, das contingências internacionais do mundo globalizado (as guerras, as crises económicas, os ditames da grande finança mundial, etc.); porque a classe política, por mais que tenha a seu cargo a acção administrativa e gestionária, não consegue realizar o que propõe nos seus discursos porque se confronta com o condicionamento dos poderes burocráticos.


Há uma regra que não devemos esquecer: a política-espectáculo cresce à medida que diminui o poder político que se exerce no interior de um Estado que é cada vez menos soberano.

 

Este discurso funciona sob o signo da infantilização. Por todo o lado a política é vista como uma vulgata para crianças retardadas. E as campanhas eleitorais não são mais do que um simulacro. Mas talvez esta seja uma condição benévola: muito pior seria que não se cumprissem os protocolos para salvar as aparências que asseguram, apesar de tudo, alguma estabilidade do sistema.

 

Seria, no entanto, muito interessante saber em que acreditam verdadeiramente os protagonistas políticos, quando já estão fora do jogo eleitoral. Ao contrário do que se passa noutros domínios de actividade, este é um campo onde raramente se pratica o metadiscurso, o desdobramento reflexivo: há um pathos de primeiro grau que sobrevive e se torna duro como pedra em quem ocupou cargos políticos de relevo. Entre nós, Cavaco Silva ilustra com uma rara intensidade expressiva esta persistência do discurso naïf de primeiro grau.

 

Livro de Recitações

“Travar a crise climática não está na mesa de voto

Slogan do movimento máximo

 

Entre as várias razões que tornam inadequado e até contraproducente alguns aspectos do discurso e da acção destes “activistas” (tratarei de analisar em breve esse discurso) está o uso da expressão “crise climática”.

 

É certo que ela chega até nós mediada por muitas instâncias e entrou na linguagem corrente. Mas quem assumiu a missão – louvável e grandiosa – de alertar a opinião pública para este problema e levar os poderes políticos e económicos a agir de modo a interromper uma desastrosa corrida tem de começar por rejeitar a linguagem que neste campo é acriticamente usada e transmitida: a metáfora da “crise”, que até na política e na economia tem muitas vezes um objectivo de ocultação, revela-se pouco certeira para designar as alterações climáticas. As crises são momentos breves no curso das sociedades, correspondem a situações temporárias em que se dá uma perturbação do que antes dela era a normalidade.

 


A saída de uma crise implica, em maior ou menor grau, uma metamorfose. Ora, aquilo que é designado como “crise climática” afecta o receptáculo de todas as nossas actividades, não é uma “crise” particular e localizada.

 

 E, ainda mais importante, a temporalidade dos acontecimentos ambientais não tem nada que ver com a temporalidade das perturbações sociais e políticas que a palavra “crise” designa: trata-se de uma temporalidade que se situa numa escala geológica.